O verbo
[Crônica de 17 de setembro de 1999]
E Deus fez o verbo e seu som foi amar. E fez-se a luz e fez-se o espanto e a vida.
Amar, já disse o poeta, é verbo intransitivo. Não deveria precisar de qualquer complemento para defini-lo.
Amar deveria trazer em si a beleza de uma manhã nascendo com o sol surgindo do fundo do horizonte, por cima do mar.
Deveria criar a sensação que faz a alma, mesmo a mais dura, tremer ao ver o sol lentamente subindo, subindo, até surgir inteiro e radiante, iluminando o mar.
Iluminando a vida e suas perspectivas, fazendo-a clara e reta como seus raios cortando as poucas nuvens colocadas no céu para lhe servir de contraponto.
Mas amar também é ver o céu de uma noite de maio, sem lua, com todas as estrelas brilhando, e, às vezes, uma estrela cadente cortando a ordem cósmica, para nos contar um segredo urgente, capaz de alterar a ordem do universo, e que, por isso mesmo, não é usado e permanece eternamente segredo.
Amar é ver a lua cheia brilhando no céu e um lago roubar seu brilho branco para transformá-lo numa estrada de prata que cruza suas águas, abrindo o caminho do infinito.
É percorrer este caminho e descobrir ao longo dele os sentimentos indizíveis que fazem o coração bater mais forte só com a gente pensar na pessoa amada; mas que também fazem o coração ficar apertado quando bate a saudade ou quando a noite escurece e um trovão estoura ao longe.
Mas amar também é sentir a água da chuva escorrendo pelo corpo durante uma trovoada de verão.
É ser parte da terra e ter raízes cravadas no chão.
É entender o canto do sabiá que às cinco e meia da manhã de um dia de primavera nos conta que amar não precisa de complemento.
Que eu te amo já diz tudo.
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