Pressione enter para ver os resultados ou esc para cancelar.

O verbo

[Crônica de 17 de setembro de 1999]

E Deus fez o verbo e seu som foi amar. E fez-se a luz e fez-se o espanto e a vida.

Amar, já disse o poeta, é verbo intransitivo. Não deveria precisar de qualquer complemento para defini-lo.

Amar deveria trazer em si a beleza de uma manhã nascendo com o sol surgindo do fundo do horizonte, por cima do mar.

Deveria criar a sensação que faz a alma, mesmo a mais dura, tremer ao ver o sol lentamente subindo, subindo, até surgir inteiro e radiante, iluminando o mar.

Iluminando a vida e suas perspectivas, fazendo-a clara e reta como seus raios cortando as poucas nuvens colocadas no céu para lhe servir de contraponto.

Mas amar também é ver o céu de uma noite de maio, sem lua, com todas as estrelas brilhando, e, às vezes, uma estrela cadente cortando a ordem cósmica, para nos contar um segredo urgente, capaz de alterar a ordem do universo, e que, por isso mesmo, não é usado e permanece eternamente segredo.

Amar é ver a lua cheia brilhando no céu e um lago roubar seu brilho branco para transformá-lo numa estrada de prata que cruza suas águas, abrindo o caminho do infinito.

É percorrer este caminho e descobrir ao longo dele os sentimentos indizíveis que fazem o coração bater mais forte só com a gente pensar na pessoa amada; mas que também fazem o coração ficar apertado quando bate a saudade ou quando a noite escurece e um trovão estoura ao longe.

Mas amar também é sentir a água da chuva escorrendo pelo corpo durante uma trovoada de verão. 

É ser parte da terra e ter raízes cravadas no chão.

É entender o canto do sabiá que às cinco e meia da manhã de um dia de primavera nos conta que amar não precisa de complemento.

Que eu te amo já diz tudo.
___
Siga nosso podcast para receber minhas crônicas diariamente. Disponível nas principais plataformas: Spotify, Google Podcast e outras.

Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.