As horas e os dias
Que horas são? Há quanto tempo você está onde você nunca imaginou que estaria? Horas ou dias? Tanto faz, a maior parte do tempo você não percebe que está numa cama mais ou menos confortável, com luz na cara 24 horas por dia, com gente passando e máquinas fazendo barulhos que lembram uma locomotiva a vapor.
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Tanto faz o antes. Será que terá depois? A pergunta surge muito espaçadamente, em momentos de lucidez que não facilitam a vida, nem melhoram as sensações, todas negativas.
É preciso lutar. Tem muita gente que depende de você. Não é hora de partir, nem você está com vontade de sair de cena para entrar na noite eterna e deixar vago seu lugar no planeta.
Não, não é por aí, mas dói, falta ar, a febre é cruel. O cansaço infindável te deixa com vontade de entregar os pontos, mas uma força nascida na base da sua espinha não permite. Não é hora de esmorecer, não é hora de sair de cena.
A briga é de cachorro grande, mas não vai te levar, não vai te arrancar deste mundo. Você não deixa, não permite, não entrega os pontos.
Cada minuto de luta é um minuto a mais, uma chance maior de sair da encrenca em que você está metido, sem saber por quê, sem saber como, sem saber de onde.
A única certeza é a certeza de que é preciso lutar muito, apesar de toda a fraqueza, apesar de toda a falta de ar, da pouca esperança, dos ruídos em volta e da vontade dormir.
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Não, não é hora de entregar os pontos. Você não vai entregar os pontos. A covid19 é brutal. As chances para quem vai para a UTI são menores, mas você não entrega os pontos. Em algum lugar no fundo, no mais fundo de você, uma chama insiste em brilhar. É ela que te dá forças.
Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.