O homem sem máscara
O homem seguia pela rua andando devagar, com as mãos nos bolsos e a cabeça abaixada para a frente, como se quisesse encostar o queixo no peito. Parecia não sentir o calor de depois do almoço do dia de começo de outono, nem o sol radiante batendo nas suas costas.
Seguia sem máscara, com o jeito amuado, triste, sem olhar para o lado, como se não quisesse ver ninguém, nem saber o que acontecia em volta.
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Era ele e seus pensamentos. Ou a falta de seus pensamentos. Caminhava com passos de sonâmbulo, com os lábios apertados e os olhos para baixo.
A calçada separava a rua de uma série de lojas de todos os tipos instaladas no endereço decadente. Há 50 anos, o comércio fora fino, mas agora, com o abandono do Centro, reunia um pouco de tudo, de loja de material de construção a bar, de farmácia a portinha que vende artigos de couro, passando por lojas de sapatos e outras que vendem perfumes, sabão de barba e o mais que a vida moderna exige.
Mas o homem não olhava as vitrines, nem para dentro das lojas. Seguia em frente, perdido em seus pensamentos, ou na falta deles, quem sabe empurrado pela lembrança de um dia feliz ou de uma noite alegre.
Não estava nem aí se estava de máscara ou não. Sua preocupação era outra, mais profunda, quem sabe a perda de alguém próximo levado pela pandemia.
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Quatrocentos mil mortos é muita coisa, mas para o homem andando sem máscara pela rua do Centro, debaixo do sol da tarde de começo de outono, era indiferente.
Não sei se era dor ou desesperança, não sei o que ele sentia, mas seu rosto era o retrato da tristeza do mundo, comprimida num só coração.
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