A ilustre casa de Ramires

Meu bisavô considerava “O Crime do Padre Amaro” o grande livro de Eça de Queiroz. Para meu pai, o gênio do genial português aparecia inteiro em “Os Maias”. Eu sou mais modesto, para mim o grande livro é “A Ilustre Casa de Ramires”, seguido de “A Cidade e as Serras” e “A Relíquia”.

Pensando muito sobre o assunto, e o porquê do meu gosto, cheguei à conclusão que aí tem o dedo de meu pai, ou a voz de meu pai, quando eu ainda era menino. Me lembro como se fosse ontem, nós na piscina da fazenda e ele recitando de cor: “Já, porém, com a nação degenera a nobre raça. Álvaro Ramires, valido de D. Pedro II, brigão façanhudo, atordoa Lisboa com arruaças, furta a mulher de um Vedor da Fazenda que mandara matar a pauladas, incendeia em Sevilha, depois de perder cem dobrões, uma casa de tavolagem, e termina por comandar uma Urca de piratas na frota de Murad, o Maltrapilho.”

Esse texto sempre me fascinou e me fascina até hoje. Entre tantos nobres Ramires, Senhores de Santa Ireneia, heroicos, guerreiros, de raça mais antiga que Portugal, pares do Reino, a figura do devasso, ladrão de mulher, assassino, incendiário, no final comandando uma Urca na frota de Murad, o Maltrapilho é de uma genialidade ímpar.

E a vingança de Tructesindo Mendes Ramires contra o Bastardo de Baião é das peças mais criativas da literatura portuguesa. Imagine o final: o bastardo nu, amarrado numa coluna, resto das ruínas de um antigo castelo erguido na beira de um pântano, sendo chupado vivo pelas sanguessugas negras, que saiam das águas escuras e subiam pelo seu corpo claro, com os pelos loiros cobertos pelo sangue que escorria…

Eça de Queiroz é genial em qualquer tempo ou cultura. Escolher seu melhor livro é quase impossível. Só posso dizer que a escolha varia de acordo com a época e o gosto de cada um. Tem para todos.

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