Bom é ver sangue
De repente a estrada para. O engarrafamento se estende por alguns quilômetros, segue a passo de cágado, se arrasta lentamente, até que você chega no local em que o acidente aconteceu e descobre que foi na pista do outro lado, separada por um largo canteiro central, e que não tem nenhuma razão para o tráfego parar do lado em que você viaja.
Não tem, em termos. O que grande parte dos motoristas quer é ver sangue, ver o desastre em detalhes, saborear cada peça retorcida, os corpos cobertos na beira da pista, a polícia trabalhando, os bombeiros trabalhando, as ambulâncias partindo com a sirene ligada.
Melhor ainda se o helicóptero Águia descer na pista, se tiver um veículo pegando fogo, se a desgraça for ampla, geral e irrestrita.
O que parte dos motoristas quer é ver a desgraça, o acidente bravo, com mortos e feridos, carros completamente retorcidos, de preferência com um caminhão por cima.
Muitas vezes o engarrafamento na pista dos curiosos é maior do que o engarrafamento diretamente causado pelo acidente, pelo fechamento parcial da pista ou a interrupção da estrada.
O negócio é passar bem devagar, olhar os mínimos detalhes, procurar as manchas de sangue, os feridos, os corpos.
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Para essa gente bom mesmo é ver os bombeiros retirarem alguém vivo do meio das ferragens, cortar o metal, tomar cuidado para proteger a vítima, retirá-la, deitá-la na maca e correr para ambulância.
Que se dane se o trânsito atrás está completamente parado. Não vai acelerar enquanto conseguir assistir o detalhe de um detalhe da cena mórbida.
O sofrimento alheio é diversão. Tanta faz se alguém morreu. Tanto faz se alguém perdeu os pais ou os filhos. O que a fera quer é ver sangue.
Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.