A cidade viva

A cidade é uma força viva, com vontade própria que avança planalto a dentro, para todos os lados, engolindo várzeas, campos, montes e vales, com a sem cerimônia de quem se sabe grande e forte, mas não percebe que sua fraqueza está justamente no tamanho e na ilusão da força.

São Paulo é insaciável e cruel. Esquece o ontem como se não houvesse existido, largando ruínas em sua marcha sem direção, sempre em frente, sem roteiro ou rumo, exceto ter que prosseguir, ter que prosseguir, em busca de um Eldorado que jamais será alcançado porque é a soma dos diferentes sonhos de milhões de personagens.

A cidade é ela sem ser, nas quebradas distantes, no centro deteriorado, no barraco e na mansão, onde a vida brinca de novela e finge que vive na vida dos outros.

São Paulo se renova permanentemente. Cada instante é um momento diferente, uma realidade diversa, no buraco novo que se abre no asfalto, no tiro perdido, no assalto a banco, no moleque roubando bolsas no semáforo quebrado.

A cidade é como um rio, ou como o seu rio, que corre no avesso dos rios, buscando o interior em vez de desaguar no mar. Cada segundo é um segundo novo, onde o segundo antigo se perde, tragado pela fúria incontrolável que arranca montanhas, aterra vales, muda a natureza, na certeza de que tudo o que importa é o sucesso e o progresso.

Suas árvores variam no espaço e no tempo. Suas praças mudam de cara, entre o concreto e o verde, como quimeras, com outro nome, sem respeito pela geografia ou pela história, mas atrás dos votos.

São Paulo avança, empurrada pelos sonhos, mas com vida própria porque é a soma de todas as vontades reprimidas por cada sonho.

Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.