Goiaba no pé
Estava quase convencido de que não ia dar, mas, como a esperança é a última que morre, não entregava os pontos. Não podia aceitar que, depois de anos comendo goiaba no pé, este ano não conseguiria fazê-lo. Que passaria batido, mais uma lembrança ou um “despresente” da pandemia.
Com o fechamento da Cidade Universitária, não tinha como. As dezenas de goiabeiras da USP estavam fora do meu alcance. Brancas ou vermelhas, não tinha acesso a elas, eram todas das aves.
Leia também: Não comi goiabas
As novas donas do Campus, dividindo o enorme espaço com o bando de capivaras, que deve ter se espalhado, usando a raia de remo apenas como ponto de encontro ou de pastagem comunitária, para comemorar a vitória do grupo.
Nada diferente do velho churrasco de sábado, agora mais contido, que comemorava o pão nosso de cada dia, na refeição comunal, antiga e boa, tanto que é parte importante da história do Cristo – Ele tomou o pão em suas mãos, o partiu e deu aos seus discípulos dizendo: peguem e comam, este é meu corpo.
A festa das capivaras é a festa da vida sem medo do perigo. Sem medo da pandemia e da morte pela covid19. É a mesma festa das aves, que voam sobre a enorme fazenda, donas do céu, das árvores e das frutas, como as goiabas que eu achava que não comeria este ano.
Leia também: Frutas
Mas a vida segue por caminhos tortos e, quando menos se espera, as coisas não são mais como vinham sendo, o que parecia que era, simplesmente deixa de ser. O cinza da chuva se abriu no azul e o sol brilha soberano, esquentando as costas e alegrando o dia.
Numa caminhada despretensiosa, eu dei com ela. Com alguns galhos mais baixos, acessíveis, carregados de goiabas. Comedido, comi só duas. Afinal, os outros também são filhos de Deus.
___
Siga nosso podcast para receber minhas crônicas diariamente. Disponível nas principais plataformas: Spotify, Google Podcast e outras.
Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.