Nos dias de inverno
Os dias de inverno em São Paulo oscilam muito. Faz calor na hora do almoço em boa parte deles, ainda que de noite fazendo frio. É do clima da terra e sempre foi assim. Mas que mudou, mudou. Quando eu era criança, a cidade ainda tinha uma névoa do cão, e uma garoa gelada, que cortava a carne, para doer nos ossos, aumentando muito a sensação de frio. Hoje o tempo está mais seco. O frio dói menos e a temperatura machuca pouco. Nada que um bom creme hidratante não resolva.
Mesmo assim, ainda existem os dias que depois de uma noite gelada, daquelas que até debaixo de um edredom o frio te pega, amanhece um dia lindo, com o céu infinitamente azul e um frio de arrepiar pele de foca, porque é inverno e a estação tem que marcar posição.
Nestes dias, o bom é sair de casa, andando a pé e de repente, sem saber de onde vem, sentir no ar o cheiro inconfundível e amigo de pão saindo do forno.
Poucos cheiros combinam mais com os dias frios do inverno do que o cheiro único e especial de um belo pão assando num forno de padaria.
É como se o dia ganhasse o calor que o tempo não lhe dá. A fumaça leve se espalha, e com o cheiro a alma fica mais quente, aquecendo o corpo, que agradece sentindo na boca, como se fosse verdade, o gosto bom do pão quentinho com a manteiga derretendo.
Nessa hora é como se houvesse uma volta para o tempo da infância. Para a época em que era possível andar pelas ruas sem medo de ser assaltado, e quando as casas tinham muros e grades baixas porque não havia perigo e os cidadãos de bem ainda não estavam condenados a ficar presos. E é bom. É bom lembrar, sentindo no cheiro do pão um tempo que não volta, mas que mostra que ser feliz ainda é possível.
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