A florada no cemitério

Tem gente que vê os cemitérios como lugares tristes, que lembram os que já partiram, e por isso dá vontade de chorar. Tem gente que os vê como a casa dos mortos queridos, de quem sentimos saudades, e que por isso os visita para monólogos saudosistas, sobre os tempos que não voltam mais, como a presença dos defuntos enterrados em seus túmulos, escondida pela névoa da lembrança de outra época, quase sempre lembrando uma vida mais fácil e mais feliz.

São pontos de vista tão bons quanto os dos arqueólogos que cavam os velhos túmulos egípcios e que acham que cada cova é uma benção, porque traz de volta um pedaço do passado, quando outros deuses governavam a vida e a morte.

Mas os cemitérios podem ser mais do que tudo isto junto. Podem ser um pedaço alegre de uma cidade triste, um canto colorido quebrando o cinza macambúzio da metrópole mal tratada.

É só passar ao lado do cemitério São Paulo para entender o que eu quero dizer. Todo ano, em junho e julho, as árvores do cemitério decidem entrar na festa das floradas que alegram a vida da cidade.

E todos os anos elas o fazem com uma competência única, aproveitando o espaço restrito de seu grande quarteirão, e a proximidade entre elas, para maximizarem o roxo de suas flores, atingindo um grau quase agressivo de beleza e encantamento.

Tem gente que diz que as árvores são na maioria ipês roxos, outros dizem que são jacarandás paulistas, o que me parece mais lógico porque os outros ipês da cidade ainda não floriram quando elas chegam no auge de sua florada. De qualquer jeito, deve ser bom estar enterrado debaixo delas.

___
Siga nosso podcast para receber minhas crônicas diariamente. Disponível nas principais plataformas: Spotify, Google Podcast e outras.

Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.