O Minhocão retrofitado
A marca da cidade é seu inconformismo. Até 1850, São Paulo dormia o sono dos séculos, o sono das cidades cuja vocação era estender as fronteiras, arrancar ouro dos rios, varar as matas unindo o país em trilhas e caminhos de norte a sul do imenso território.
Depois da metade do século 19, a cidade acordou e iniciou sua corrida planalto a fora, ocupando novos espaços, alterando a calha dos rios, cavando túneis, abrindo ruas e avenidas, subindo prédios, arrancando novos truques das mangas.
A capacidade de surpreender é sua marca registrada e São Paulo faz isso das formas mais inusitadas, abandonando áreas urbanizadas, mudando o cenário dos bairros, criando arranha-céus onde antes havia casinhas geminadas.
Para o norte, para o sul, para o leste ou oeste, a cidade avança incontrolável, em novos edifícios, metrô, trens, avenidas, bares, shoppings, museus, locais inéditos, pontos redescobertos, cada um de um jeito, todos conectados pelas veias e artérias que irrigam a vida urbana 24 horas por dia.
Quem passa pelo Minhocão não reconhece o entorno. O cinza sujo e triste das fachadas dos prédios decadentes deu lugar a cor, a vida, a explosão de criatividade nos painéis pintados em suas paredes.
Os jardins verticais que nunca vingaram dão lugar a enormes obras de arte que questionam, incentivam, discutem, escancaram as mazelas e enfeitam o pedaço, nas cores fortes de dezenas de painéis que se sucedem, um mais bonito do que o outro, mais instigante, vivo, trazendo a energia que pulsa país a fora por três quilômetros de prédios ressuscitados pela arte que se impõe absoluta, desafiando a estupidez e o descaso com a cultura, no museu a céu aberto que cresce e encanta mais a cada dia.
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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.