Lembranças boas
A lua cheia brilha mansa no céu. Como quem não quer nada, displicente, ela se ergue do horizonte, e busca o melhor lugar para brilhar. O melhor ângulo para ser vista, o contraste mais forte, para fazer mais profundo o seu brilho.
A lua cheia é uma feiticeira que gosta de brincar com o sentimento das pessoas. Gosta de exacerbar as saudades, fazer mais intensa a lembrança de um beijo, mais próxima a distância do amor.
A lua cheia se diverte enganando os homens e as mulheres. Seu brilho é falso, sua luz amiga não é sua e seu tamanho muda todas a semanas, para atingir o mais fundo da alma cada vez com uma punhalada diferente.
A lua cheia sangra no céu a lembrança de todas as lembranças que trazem de volta momentos que nunca existiram. Situações que poderiam ter sido, mas que foram diferentes, porque não eram para ser como a lembrança as guarda e o clarão da lua as ilumina, esquentando o peito com a saudade boa de alguma coisa que não foi assim, muito tempo atrás.
Seu brilho impões sentimentos bons, mas que cortam como faca amolada e abrem o peito para frio da noite, como contrapartida para o frio da alma.
A lua cheia brilha no céu a eternidade de todos os segredos de cada momento que ela iluminou e que se perpetuam na sua repetição – no encontro de duas pessoas, geração após geração – desde Adão e Eva.
A lua cheia é a dona da noite e dos sentimentos bons que se espalham na brisa passando pelas árvores adormecidas. Ela é amiga, uma bruxa boa, mesmo isso não existindo.
E eu gosto dela e da sua tortura porque, imensa, clareando o céu, ela me lembra você, deitada nua iluminando a noite, como se fosse a lua cheia saciada de amor.
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