A capela da fazenda
Eu fui um menino com muita sorte. Cresci tendo a fazenda da família como quintal e isso fez muita diferença. É por isso que nesse mês de junho, mês de frio e dos namorados, me lembro da capela da fazenda, encravada no alto de um morro íngreme, pequena e singela em suas linhas simples, como contraponto para as igrejas paulistanas, habituadas ao trânsito infernal e a violência urbana.
Pensar na capela da fazenda é ter a paz na ilusão de ouvir seus sinos tocando a Ave Maria, às seis horas da tarde. É lembrar do pôr do sol atrás do morro por trás da colônia, tingindo o céu de vermelho e fazendo de cada nuvem uma estrada para os sonhos se realizarem no infinito.
Lembrar da capela é lembrar que quem tocava os sinos era a Cidinha, filha do Elias, que guiava a caminhonete da fazenda. É reviver o menino que escutava o sino e sentia um nó no peito, uma vibração diferente cada vez que ele tocava. É perguntar o que aconteceu com a Cidinha, se ela é feliz na sua vida longe da fazenda.
É ter saudade da Norma e da Calica, que a última vez que vi foi no enterro do Zé Santinho, que era o pai delas e que me tratava como filho e por isso me ensinou gostar de mato.
É pensar em tanta gente que passou, mas que até hoje, quando fecho os olhos, vejo suas caras. O Nego que saiu da fazenda para casar-se, o Odair, que era Conde, O Armando, o Zezinho, que foi o cocheiro dos cavalos antes do Nego, o Zequinha, filho do Rael, que era o cocheiro das vacas…
É lembrar da quadra de bocha da colônia e das noites que eu descia da sede para jogar com os meus amigos, que eram os empregados da fazenda.
E é depois, quando a lembrança dos sinos da capela, e do seu morro, e do seu banco entre as paineiras, me fala de outros pores do sol, enquanto a gente cresce e descobre que a vida é a vida.
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