Pressione enter para ver os resultados ou esc para cancelar.

A capela da fazenda

Eu fui um menino com muita sorte. Cresci tendo a fazenda da família como quintal e isso fez muita diferença. É por isso que nesse mês de junho, mês de frio e dos namorados, me lembro da capela da fazenda, encravada no alto de um morro íngreme, pequena e singela em suas linhas simples, como contraponto para as igrejas paulistanas, habituadas ao trânsito infernal e a violência urbana.

Pensar na capela da fazenda é ter a paz na ilusão de ouvir seus sinos tocando a Ave Maria, às seis horas da tarde. É lembrar do pôr do sol atrás do morro por trás da colônia, tingindo o céu de vermelho e fazendo de cada nuvem uma estrada para os sonhos se realizarem no infinito.

Lembrar da capela é lembrar que quem tocava os sinos era a Cidinha, filha do Elias, que guiava a caminhonete da fazenda. É reviver o menino que escutava o sino e sentia um nó no peito, uma vibração diferente cada vez que ele tocava. É perguntar o que aconteceu com a Cidinha, se ela é feliz na sua vida longe da fazenda.

É ter saudade da Norma e da Calica, que a última vez que vi foi no enterro do Zé Santinho, que era o pai delas e que me tratava como filho e por isso me ensinou gostar de mato.

É pensar em tanta gente que passou, mas que até hoje, quando fecho os olhos, vejo suas caras. O Nego que saiu da fazenda para casar-se, o Odair, que era Conde, O Armando, o Zezinho, que foi o cocheiro dos cavalos antes do Nego, o Zequinha, filho do Rael, que era o cocheiro das vacas…

É lembrar da quadra de bocha da colônia e das noites que eu descia da sede para jogar com os meus amigos, que eram os empregados da fazenda.

E é depois, quando a lembrança dos sinos da capela, e do seu morro, e do seu banco entre as paineiras, me fala de outros pores do sol, enquanto a gente cresce e descobre que a vida é a vida.

___
Siga nosso podcast para receber minhas crônicas diariamente. Disponível nas principais plataformas: Spotify, Google Podcast e outras.

Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.