O martírio das estradas
É verdade, os bandeirantes andavam em fila pelo mato. Seguiam um atrás do outro pelas trilhas abertas pelos índios, cortando as matas e os campos que os separavam de seus alvos, primeiro os índios inimigos, depois o ouro e os diamantes que o primeiro rei achou que não existiam e que seus sucessores receberam de braços abertos, para transferi-los para a Inglaterra que por conta deles fez a revolução industrial.
Não só seguiam em fila, com caminhavam descalços, com os pés levemente curvados para dentro, porque cansava menos e rendia mais.
Levavam na alma a esperança do Eldorado e no corpo os gibões de algodão acolchoado, que os protegiam das flechas e dos espinhos.
Era sua sina varar mato e arrancar das brumas terras inimagináveis…e ricas…
muito ricas.
Com o tempo os bandeirantes mudaram. Não sei se evoluíram, mas mudaram.
Hoje, moram em imensas construções de concreto que substituíram suas casas de taipa, e fazem compras no Eldorado, no Pão de Açúcar, no Carrefour e nos outros milhares de estabelecimentos inventados para sangrá-los – em seus bolsos, é verdade – quase que até a morte.
Só que continuam andando em fila. Não sei se é sina ou herança atávica.
Quem sabe, seja maldição de algum pajé, ou de uma feiticeira nagô, reaprisionada em algum quilombo perdido nas quebradas do sertão.
Pode ser. Tudo pode ser, já que nada explica a mania sem sentido de se viajar nas férias, horas a fio para varar menos de 100 quilômetros.
Um atrás do outro, um atrás do outro, os carros se arrastam sem a dignidade dos bandeirantes, como uma enorme cobra com dor de barriga.
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