As grades
Nós estamos tão habituados com elas que não prestamos mais atenção. Pelo contrário, só olhamos quando elas não estão lá, nas mais diferentes formas, separando o outro lado do lado de cá, separando a vida da essência da vida.
A agressão é terrível e brutal. E, no entanto, já faz parte do nosso dia a dia, e está tão entranhada que sequer a tomamos como uma agressão. É simplesmente um pedaço a mais da cidade, alguma coisa que integra a paisagem, alguma coisa que pode até ser bonita, mesmo se pensarmos que é um absurdo separar a vida da vida.
Uma do lado da outra, sem formas pré-definidas, ou desenhos simétricos, seguem margeando as calçadas, separando os jardins e os imóveis das calçadas, como se do lado de fora houvesse algo muito ruim, que não pode entrar, sob o risco de macular a casa, condenando seus moradores a castigos tão terríveis, que todos se esmeram em ergue-las, uma mais alta do que a outra, uma mais pontuda do que a outra, uma mais eletrificada do que a outra.
As grades são a agressão mais contundente possível, em todos os sentidos. Pensar que elas proliferam mais rápido e em maior quantidade do que tiririca, é apavorante, e, no entanto, estamos rodeados por elas, dentro de casa, no trabalho, nos bares e restaurantes, nas praças e até nas igrejas.
Não tê-las é colocar a vida em risco, é abrir o bolso para o ladrão, e expor-se a males e maldades de toda ordem, é ser irresponsável.
A vida moderna atingiu tais parâmetros de estupidez e violência que não só voltamos ao antigo sistema das tranqueiras que separavam os homens de seus inimigos, mas individualizamos as tranqueiras, para separarmo-nos de nossos vizinhos.
A pergunta que fica é simples e mais aterrorizante do que as pontas afiadas e eletrificadas das grades: neste cenário de medo pânico, quem são os verdadeiros prisioneiros?
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