Pressione enter para ver os resultados ou esc para cancelar.

O abandono da cracolânida

De repente, numa certa manhã, o impossível aconteceu. A Cracolândia, o mais antigo e tenebroso centro de consumo de drogas da cidade, amanheceu vazia. Não tinha drogados, não tinha traficantes, não tinha bancas de drogas, não tinha sujeira nas ruas.

A Cracolândia ecoava o silêncio de seu abandono nos poucos passos ao longo de seu perímetro. Depois de trinta anos, estava vazia, abandonada, entregue de volta aos moradores dos prédios da região, alguns recentes, atraídos pelas promessas de revitalização da área e extinção do enorme ponto de drogas.

Gente que mal e mal conseguia sair de trás dos muros de seus edifícios começou a andar na rua, tomar as calçadas, caminhar pelo pedaço, no começo, assustados, sem saber o que havia causado a mudança.

Na véspera não aconteceu nenhuma ação policial, ninguém forçou a saída dos moradores e traficantes, ninguém impediu a entrada dos interessados no comércio mortal que acontecia fazia anos na região.

Todos se assustaram. Moradores, autoridades, especialistas, ninguém sabia o que tinha acontecido, mas, como sempre, alguém tentou levar vantagem. De repente, autoridades começaram a explicar que o esvaziamento da Cracolândia era consequência de suas ações.

Será que sim? Será que não? As respostas estavam escondidas atrás de um denso véu de mistério. Qualquer afirmação, no primeiro momento, era válida. Por que não?

Aos poucos, um novo quadro começou a aparecer. Os moradores da Cracolândia tinham partido porque o crime organizado decidiu que deveria ser assim. Uma parte se instalou na Praça Princesa

Isabel, outros se espalharam por outras áreas da cidade. A única certeza é que, a partir de agora, será mais difícil apoiar os dependentes químicos e combater o tráfico.

___
Siga nosso podcast para receber minhas crônicas diariamente. Disponível nas principais plataformas: SpotifyGoogle Podcast e outras.

Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.