Velhos de cara nova
Os carros velhos mudaram de car. Estão mais sofisticados, mais cuidados, mais bem tratados e andam mais, correm, param, parecem carros novos.
Os carros velhos de alguns anos atrás eram carroças pré-Collor, enferrujadas, com ronco feio, parecendo tosse de cavalo, pinos batendo, porta-malas fechado com corda e por aí a fora.
Os proprietários não faziam questão de cuidar. Do jeito que estava, estava bom. O resto era fantasia desnecessária e sem sentido. O carro andando, ou melhor, se arrastando e soltando fumaça que nem destroier da Primeira Guerra Mundial, não precisava mais nada, nem mesmo pagar o IPVA e o seguro obrigatório.
Verdade que eram heróis, sobreviventes das batalhas de Stalingrado, Iwo Jima, Berlin. Mostravam as velhas cicatrizes, mas seguiam em frente, roncando desesperadamente quando a missão era subir a Ministro Rocha Azevedo, ladeira abaixo na Peixoto Gomide e com passo de mangalarga marchador no plano da Estados Unidos.
Corcéis, Opalas, Kombis, Fuscas, Brasílias, Belinas, Caravans, às vezes um Galaxie ou um Maverik, seguiam impávidos pelas ruas e avenidas, sem vergonha das marcas do tempo, orgulhosos das marcas da vida.
Hoje, não. Hoje, os carros velhos são Mercedes, BMWs, Azzeras, Kias e outros carros de origem estrangeira, ao lado de carros fabricados no Brasil, com mais de dez anos e jeito de novo, na pintura brilhando, nas rodas, nos pneus, no vidro escuro e na atitude do motorista.
O mundo gira e as modas passam. Agora é hora dos carros ficarem mais velhos, mas continuarem tratados no capricho de carro novo. Quem pode, pode; quem não pode, se sacode. Automóvel deixou de ser sonho de consumo, agora é ferramenta para se locomover. Por isso pode ser velho.
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