A leoa que apavorou Campinas
[Crônica postada em fevereiro de 1997]
Quando ninguém mais esperava que fosse possível, depois das aventuras do hipopinho terem rendido espaço em todas as mídias, teoricamente encerrando a série de pedidos de asilo dos animais estrangeiros, eis que uma leoa surge na região de campinas, aterrorizando os moradores do pedaço com urros apavorantes e um apetite descomunal.
Como sempre, rapidamente bravos defensores da lei foram acionados para enfrentar o novo perigo que colocava em risco a integridade de centenas de pessoas, moradores da zona rural, onde a leoa parece que preferia ficar.
sim, parece, porque esta afirmação está baseada nas carcaças encontradas.
Como não foram encontrados quaisquer indícios de carcaças típicas de zonas urbanas, como corpos humanos estraçalhados e coisas assim, é de se supor que a leoa tenha chagado a bom termo em seus entendimentos com os bandidos campineiros, dividindo irmãmente os espaços, ficando ela com o campo e eles com a cidade.
Além dos tradicionais massacres de fim de semana, já absorvidos pela rotina urbana do grande centro interiorano, não houve nada que despertasse a atenção da polícia ou dos caçadores de plantão para a selva de asfalto, onde a violência atinge patamares jamais imaginados pelo mais feroz dos animais.
De posse de pistas irrefutáveis, apontando para a preferência evidente da leoa por carne vacum, as autoridades encarregadas da operação de captura da terrível fera concentraram todos os seus esforços nas fazendas e sítios ao redor de campinas, armando ciladas e colocando armadilhas que com certeza deixariam o detetive X-9 inchado de orgulho.
Pela qualidade do trabalho, é evidente que os responsáveis pelo combate à fera foram beber na fonte do famoso detetive, aprendendo com o encarregado da captura do rinoceronte quindim as mais sofisticadas técnicas de caçadas, usadas pelos zulus na savana africana.
Com o cenário montado, de um lado a leoa e de outro os seus hipotéticos caçadores, a estória deveria se desenvolver dentro de padrões hollywoodianos, o que, na prática não aconteceu.
Por razões que ainda não estão completamente esclarecidas, o roteiro que deveria terminar com foto na primeira página de todos os jornais acabou modificado, e ao invés da leoa o que tem aparecido na imprensa são as mazelas que fazem do Brasil um país único, onde as leoas, por mais ferozes que sejam, cedem espaço para saúvas e para apouca saúde, das quais Macunaíma dizia, “os males do Brasil são”.
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