O trem que não é das onze
[Crônica do dia 9 de novembro de 2000]
Um dos maiores sucessos de Adoniran Barbosa foi o famoso trem das onze, que ia para Jaçanã, levando o sambista para dormir em casa por que sua mão não dormia enquanto ele não chegasse.
Era um trem confiável, que partia e chegava com hora certa, levando seus passageiros com um mínimo de segurança para as estações de destino.
Que diferença dos trens de subúrbio de hoje!
Naquela época era fácil andar de trem. As composições cortavam São Paulo, entrando pelo estado e varando a cidade, como enormes cicatrizes de uma cirurgia benéfica, que levava a vida e o desenvolvimento por toda sua extensão.
Hoje não. Hoje os trens levam o medo que acompanha cada um de seus passageiros, desde antes de entrarem nos vagões, até depois de saírem das estações.
Medo de morrer, de ser assaltado, de ser estuprada, de levar um tiro, do surfista que arrisca a vida na capota, do camelô que invade seus corredores, dos acidentes que acontecem quando menos se espera.
Medo da falta de manutenção, da decadência, do abandono, que é marca registrada da periferia e que tomou os trens de assalto, como se quisesse marcar cada composição com o sujo e o feio que vida pode ter em volta da cidade grande.
Trem das 9 horas que vai e volta de Perus, Jaraguá e região, que quando parte não sabe se chega e quando chega não sabe se volta, quase sempre atrasado, quase sempre lotado, quase sempre um risco absurdo, na vida absurda de quem precisa tomar o trem, que pode levar ao inferno ou chegar na estação, com a mesma indiferença que a vida espreita a morte, nos bairros ermos ao longo dos trilhos.
Que diferença faz se o sangue que mancha o chão caiu arrancado por bala ou por ferro retorcido, num acidente que pode acontecer sempre?
O risco é seu, boa viagem no trem das nove!
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