Um crime no cemitério
[Crônica do dia 4 de agosto de 2000]
O cemitério da Consolação, perto dos cemitérios que foram sendo criados com o desenvolvimento da cidade, é um cemitério pequeno e aconchegante, com túmulos feitos por alguns dos grandes artistas brasileiros e outros vindos de fora, com esculturas de todos os tipos e estilos para perpetuar a lembrança de seus mortos.
É o cemitério mais antigo da cidade, aberto logo depois de descobrirem que a prática de enterrar os mortos nas igrejas era responsável por boa parte da epidemias que se abatiam sobre São Paulo.
Calmo, tendo bem na frente à rua da Consolação, ele é uma ilha de tranquilidade encravada no ritmo louco da cidade alucinada. Do lado de dentro de seu muros altos é possível se caminhar ouvindo o canto dos sabiás que procuram suas árvores, que lhes dão sombra e abrigo e para a cidade o espetáculo de suas flores.
Sombra e flores que estão comprometidas porque alguém, ou vários alguéns, decidiu matar as árvores porque tem preguiça de varrer as folhas que caem no chão.
De repente, o cemitério da Consolação se transformou em palco de crimes contra a vida e contra a poesia, na medida que já assassinaram 35 ipês plantados ao longo de suas quadras.
35 árvores a menos numa cidade que carece de verde e mais ainda do enfeite das flores que uma vez por ano enganam o cinza triste de seu ar e de seus muros, para, efemeramente, durante uns poucos dias, despertarem o sonho em quem as vê.
Será que a simples preguiça de varrer umas poucas folhas caídas de umas poucas árvores justifica um crime como este? Será que há desculpa para alguém que deliberadamente envenena 35 ipês, fazendo um furo em seus troncos e jogando óleo diesel dentro?
Será que há diferença entre a indiferença deste cidadão e a indiferença de quem mata para roubar uns poucos reais de dentro de um ônibus?
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