O trânsito nas férias
[Crônica do dia 25 de janeiro de 2000]
É incrível, mas nem a chuva torrencial que cai nos dias de verão consegue piorar muito o trânsito de São Paulo durante as férias de janeiro.
A cidade muda de jeito, fica com outra cara, mais mansa e mais amiga, menos neurótica e mais compreensiva, como se a falta dos carros que atravancam suas ruas no resto do ano fosse capaz de mudar-lhe o humor, deixando-a leve e de bem com a vida.
15 minutos é muito tempo. Ao contrário dos dias normais, dos chamados dias úteis, 15 minutos é suficiente para irmos e voltarmos dos lugares mais improváveis e que nos outros meses são quase que inacessíveis, por conta dos congestionamentos infindáveis que se arrastam como uma enorme sucuri que come a ponta do próprio rabo.
Até os estafermos que se julgam donos das ruas diminuem a marcha e reduzem o número de barbaridades que praticam, colocando a vida de quem não tem nada com isso em permanente perigo.
As cruzadas de frente, as fechadas, os sinais atravessados no vermelho, enfim, a lista infindável dos desmandos contra as regras de trânsito se reduz, perde a agressividade que mata mais do que os assassinatos nas periferias, permitindo aos motoristas sem índole assassina saírem de casa com menos medo do que nos dias ditos normais.
É uma quase festa. Uma chance para se ver que a cidade não é cinza e agressiva, mas que tem nuances, tem detalhes escondidos em vãos e sombras que revelam um outro lado, muitas vezes francamente belo, e que, por conta do trânsito, acaba não sendo visto, ou, quando muito é vagamente pressentido.
Não fossem as chuvas que caem sabendo de antemão que já ganharam e que vão inundar as ruas, parar os carros e causar danos, janeiro poderia, em comparação com os outros meses do ano, ser considerado uma antevisão do paraíso.
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