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A cidade murada

[Crônica do dia 19 de março de 2001]

Quem anda de manhã cedo pela USP, acompanhando a raia de remo, indo do portão 1 para o portão 2, vê, depois de passar o portão da entrada da raia, lá no fundo, fechando o horizonte, um morro todo manchado de vermelho e branco.

Meio embaçado pela bruma da manhã, parece uma cena medieval, uma cidade murada, construída na encosta da colina perto do rio para se defender melhor.
É uma visão de sonho, como se um filme entrasse na vida, trazendo para a São Paulo de hoje algo que a América inteira nunca viu, porque as cidades muradas europeias desde antes da viagem de Colombo estavam em decadência por causa da pólvora.

Mas o que a gente vê também não lembra a vila colonial portuguesa, protegida por uma tranqueira de espinhos e terra, erguida em volta de uma igreja, num alto perto de um rio.

Na distância, sob o céu azul de uma manhã limpa de verão, parece mesmo uma cidade medieval, com suas casas muito juntas, parede com parede, formando uma sucessão de muros destinada a conter o avanço dos invasores.

Até mesmo as torres estão lá. A direita de quem olha, quase na ponta do morro, um único prédio faz as vezes da torre do castelo, enquanto atrás dele, não sei se uma caixa d’água, faz as vezes da torre da igreja.

É um quadro bonito, que prende a atenção de quem anda pela Cidade Universitária, dando ao passeio e ao exercício a graça do sonho e a ilusão de outras possibilidades que estão fora do nosso dia a dia.

Mas, chegando mais perto do portão 2 a visão da cidade encantada muda de cara. No lugar da vila murada medieval, construída na encosta de um morro perto de um rio por necessidade de defesa, o que surge é uma favela, com todo o horror de uma favela nos dias de hoje.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.