As paineiras da ponte
Todos os anos, faz muitos anos, nesta época eu escrevo sobre elas. Pode variar semana a mais, semana a menos, não há fuga possível, as paineiras da Ponte da Cidade Universitária merecem uma crônica. Um texto de agradecimento pela florada rica, pela composição da paisagem, pelo passado escondido em cada curva de rio, em cada pedra do Peabiru, em cada partida, sem saber se haveria chegada.
Abrir o sertão e arrancar dele quatro e meio milhões de quilômetros quadrados, partindo de uma vila do outro lado da serra, longe do mar, onde os rios correm ao contrário, é empreitada para poucos.
E mais espantoso é pensar que as fazendas ficavam entregues às mulheres, enquanto os homens varavam matas, seguindo antigas trilhas que podiam levar ao alto dos Andes, às cabeceiras do Paraná, ao longo do Tocantins, até Serra Pelada e seu ouro, que os paulistas já conheciam desde a segunda metade do século 16.
E essas mulheres não eram brancas, nem tinham cabelos loiros de Valquírias nórdicas ou o colo alvo das madonas italianas. Eram morenas, indígenas ou mamelucas, de cabelos negros e escorridos, corpo forte e vontade mais forte ainda. Capazes de dar conta da empreitada, por vezes de anos, esperando seus homens voltarem, com mais léguas arrancadas das matas e mais tesouros tirados dos leitos dos rios.
As paineiras da Ponte da Cidade Universitária falam dessa época, da epopeia dramática, dos que não voltaram, dos testamentos do sertão… um par de botas, uma espada de lâmina larga, um poncho, uma garrucha, um bacamarte de boca larga.
As paineiras da Ponte da Cidade Universitária contam histórias longas, que se perdem no tempo, mas que estão vivas nas linhas das fronteiras que demarcam o Brasil e defendem seu território.
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