O perigo das ditaduras
Carlos de Lacerda dizia que o perigo nas ditaduras não é o ditador, mas o fiscal de quarteirão. O subalterno que tem um pequeno poder e o exerce em seu benefício próprio, levando vantagem, achacando e chantageando quem está debaixo de seu controle.
Eu assisti o exercício desse pequeno poder muito de perto, no tempo da ditadura, quando um grande amigo meu quase foi visitar os porões da repressão por conta de um fato trivial puxar o gatilho da raiva e do poder de um sargento envolvido com o tema, que namorava uma funcionária da sua casa.
Por algum motivo lá dela, a mãe do meu amigo dispensou a funcionária, que não gostou de ser despedida, entre outras coisas, porque o salário era bom e o trabalho era pouco, e foi se queixar para o namorado.
Como não houve possibilidade de acerto para a funcionária ser readmitida, seu namorado pegou uma viatura do Exército, foi na casa do meu amigo, entrou e o prendeu, com a firme intenção de o levar para um dos locais onde a truculência da “tigrada” corria solta.
A história só não acabou mal porque alguém viu o que aconteceu e entrou em contato com um tio do meu amigo, que era presidente de um dos principais institutos que normatizavam uma parte importante da economia.
Avisado do que tinha acontecido, o tio entrou em contato com o Comando da Segunda Região Militar, narrou os fatos, deu os dados do veículo e o meu amigo foi salvo de algo muito pior, sendo solto antes que lhe acontecesse alguma coisa mais séria.
Não sei o que aconteceu com o sargento que extrapolou todos os seus limites para vingar a demissão da namorada, mas, conhecendo o mundo, muito provavelmente, recebeu no máximo uma reprimenda e o conselho de checar antes quem ele iria achacar.
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