A cor do dia é sua

[Crônica de 16 de agosto de 1999]

A gente sabe que a vida é cinza e que por isso todos os dias tendem a ser cinzas.  A gente sabe…, mas não concorda. Só que a gente também sabe que não adianta discordar porque a vida é mais forte e muito maior do que todos os nossos quereres, e que se todos nós, seres humanos, tentássemos enfrentar a vida, nosso destino seria o mesmo dos dinossauros e outro bicho virai depois, ocupar nosso lugar e continuar a aventura maravilhosa da vida sobre a terra.

Quem somo nós para remar contra? Quem somo nós para desafiar o destino, sem chance de ganhar? Não, não tem jeito, exceto descobrir outro jeito.

E é isso que fez o meu amigo Duílio. Ele achou um jeito diferente e fácil de contornar a vida e pintá-la de outra cor, ainda que, no final, ela acabe mais uma vez, ressurgindo vestida de cinza.

Todas as manhãs o Duílio abre a janela do seu quarto, vê o dia nascendo, mais ou menos cinza, por causa da cidade poluída e pinta-o de azul.

Ele muda a cor da manhã e a faz azul, como a cor dos dias de outono costuma ser, onde o dia ainda não ficou cinza e a transparência do ar permite-nos ver o outro lado do universo, vagamente revelado, ainda que escondido atrás da lua que às vezes se esquece de ir embora do céu e ainda aparece de manhã.

Todos os dias do Duílio começam com uma manhã azul. Uma manhã onde todas as possibilidades de todas as coisas boas são mais do que possibilidades, são a esperança e a luta por ela.  

São a vontade e a certeza que traz em si o germe da vontade e que faz real o sonho e faz real o azul com que ele pinta cada manhã, abrindo para si uma estrada com flores e sombra e fontes, onde ao longo do caminho, ele para, descansa e mata a sede.

Bem-aventurado Duílio, meu amigo que descobriu um jeito de enganar o cinza da vida, e colorir sua vida, pintando de azul seu dia interior que por isso mesmo cresce e engole o cinza do dia.
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