O aniversário de São Paulo
[Crônica de 25 de janeiro de 1999]
Hoje são Paulo comemora 445 anos. Só que São Paulo, de verdade, não comemora 445 anos. São Paulo comemora mais. São Paulo é a segunda vila fundada no Brasil, sendo que nenhuma delas foi fundada quando a história diz que foram fundadas.
São Paulo remonta a 1532, quando depois de elevar oficialmente São Vicente à condição de vila, Martim Afonso de Souza sobe a serra de Paranapiacaba e do outro lado das altas montanhas, à beira do Peabiru, o caminho mítico aberto pelos Incas, funda, juntamente com João Ramalho, a vila de Piratininga, irmã mais moça de Santo André da Borda do Campo que, como São Vicente, já bem antes florescia, habitada por brancos e índios, às portas do sertão.
E é por isso que São Paulo é ainda mais antiga, regredindo aos dias que ninguém sabe quais foram em que João Ramalho, depois de deixar São Vicente, se lança serra acima, para se casar com Bartira, a filha do grande cacique da região, e se estabelecer no planalto, disposto a abrir as portas do sertão e arrancar de lá todos os Eldorados que povoavam sua imaginação.
Em 1554 as vilas de Santo André e Piratininga recebem a atenção real, que, através das mãos do padre Manuel da Nóbrega, leva aos seus habitantes a esperança de uma escola.
O colégio real de São Paulo de Piratininga. Quer dizer, o colégio da vila de Piratininga, que tão pouco foi fundada por Anchieta, então um simples noviço jesuíta em começo de carreira.
Mas São Paulo é assim mesmo. A cidade adora ser diferente e enganar os outros e rir de suas excentricidades.
Da pequena vila sucessivamente esvaziada pelas corridas do ouro e que há pouco mais cem anos ainda tinha pouco mais de 20.000 habitantes, quase nada sobrou. A megalópole engoliu a sua história e o que restou está perdida entre o concreto e o asfalto que dão o tom do seu cinza.
Que importa o passado se São Paulo corre atrás do futuro? Não, não é assim. São Paulo é a eterna possibilidade de todos os futuros porque aqui os Eldorados nunca se perderam.
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