O concerto inusitado
[Crônica de 21 de outubro de 2002]
A primeira música clássica que eu me lembro de ter ouvido, que marcou minha infância e até hoje me dá um prazer imenso ouvir foi Pedro e o Lobo. Nos almoços de sábado, meu pai colocava o disco long play na sua moderníssima vitrola Voice & Music estéreo e traduzia a história narrada em inglês, contando pra minhas irmãs e pra mim as aventuras do menino caçando o lobo. É até hoje uma lembrança quente e boa.
A segunda música clássica que marcou minha infância foi o concerto do Imperador, de Beethoven. Também tocado as primeiras vezes nos almoços de sábado, depois passou a ser a música de fundo dos almoços dos dias de semana, em que almoçávamos só minha mãe e eu, porque meu pai trabalhava em Capuava e minhas irmãs estavam no colégio. A terceira música foi a abertura do Tannhäuser, de Wagner.
Até hoje o concerto do Imperador, independentemente das lembranças boas, é um dos meus concertos favoritos. Quando estou muito cansado, volta e meia chego em casa e o coloco para tocar e fico ouvindo, imaginando Napoleão cruzar a Europa, redesenhando as fronteiras, com suas tropas vencedoras, para terminar na retirada da Rússia, que me leva para Tchaikowsky e outro concerto maravilhoso.
Foi por isso que eu quase não acreditei, quando cheguei na banca de coco verde do seu Chico e ouvi o concerto do Imperador tocando do lado de dentro.
Uma banca de coco verde combina com axé, pagode, até sertanejo, mas nunca com música clássica. Ouvir o concerto de Beethoven num domingo de manhã, numa banca de coco verde, mexeu comigo. E mexeu mais ainda porque o dono da banca estava ouvindo com mesmo prazer que eu.
Não sei se ele sabia que era o concerto do Imperador de Beethoven, mas sei que ele ouvia com prazer e que já estava ouvindo, sozinho, sentado numa cadeira na frente da banca, antes de eu chegar.
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