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Minha solidariedade

[Crônica do dia 11 de maio de 2005]

Minha integral solidariedade às árvores condenadas. Minha solidariedade e minha compaixão. Por conta delas, se eu pudesse, sairia de noite, com uma motosserra na mão, cortando cada árvore doente e condenada, mais dia, menos dia, a cair, se espatifar pateticamente, num tombo em câmara lenta, empurrada pelo vento e pela chuva.

Minha solidariedade às vítimas das quedas das árvores que ameaçam a cidade inteira, desde que seja uma região arborizada, o que diminui muito o tamanho ameaçado da cidade, porque São Paulo tem uma área enorme onde as únicas plantas são de plástico e fingem uma natureza que não existe, fincadas em vasos de mentirinha, nas salas de visitas das casas sem quintal, sem espaço, sem verde de verdade, exceto a tinta na porta da frente.

Minha solidariedade para todos que gostam das árvores e que se entristecem ao vê-las ameaçadas de morte, na queda que pode chegar a qualquer momento, arrancando do solo um pedaço de sua história, a calma de sua sombra, e as lembranças de muito tempo atrás, quando as árvores eram moças e fortes e suas raízes ainda penetravam no solo, sem cupim, ou outra praga que lhes ameaçasse o futuro.

Minha solidariedade às praças de onde as árvores serão arrancadas antes de caírem e que se transformarão em enormes carecas, como as cabeças sem cabelo, brilhando a pedra dura sem a proteção das folhas das árvores que até ontem eram mais que piques de cachorro.

Minha solidariedade à poesia que perde espaço em cada árvore que cai e por isso a vida na metrópole fica mais dura e mais brutal, como a mancha nas calçadas queimadas pelo sol, tingindo de vermelho o sangue denso das vítimas que morrem e caem como as árvores.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.