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O ipê maluco

 

Não sei se é por causa do coronavírus, num tipo de reação como o das pessoas que, na Idade Média, começavam a dançar e fazer loucuras quando a peste chegava nas cidades. A certeza ou a expectativa da morte soltava todas as amarras, quebrava os grilhões morais e religiosos e as pessoas, tomadas pela febre de liberdade que a possibilidade da peste trazia consigo, se atiravam de cabeça em tudo que era proibido, tudo que lhes era negado nos tempos normais.

Não sei se é o mesmo fenômeno que se repete, agora no reino vegetal. Pode ser que o ipê da Rua Camargo tenha ficado louco com as notícias do crescimento da pandemia na cidade. Sem dúvida, pode ser.

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Mas também pode não ser. Sei lá, quem sou eu para explicar por que um ipê decidiu vestir a roupa de festa pelo menos um mês antes da época certa?

E não apenas vestiu, mas caprichou. O ipê da rua Camargo está deslumbrante. Grita seu roxo de encontro ao céu e explode em vida, quebrando as tentativas do cinza em volta de abafar sua magia.

Há de ter alguma razão mais lógica, mais científica… Com certeza, mas não sou que vou quebrar a magia do instante dizendo que a florada se deu pela conjugação de fenômeno A com o contra-fenômeno Z e disso resultou a antecipação da florada de uma determinada árvore, acelerada pela ureia derramada em volta por causa de um acidente de caminhão.

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Tanto faz a razão. O fato incontestável, deslumbrante, poético é que o ipê floriu antes de seus pares e hoje é o dono do pedaço, sem contraponto para medir sua beleza.

A vida tem destas coisas. O importante é não perder a vez. Deus não coloca cavalo arreado na nossa frente à toa. O ipê montou no dele, esporeou e está nadando de braçada.

Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.