Ipê roxo 2021
Este ano os ipês roxos entraram em cena cortando de cima, dispostos a não dar espaço para ninguém, nem antes, nem depois de sua florada. O momento é deles e a ideia é marcar o ano com o roxo de seus cachos deslumbrantes de tal forma que as outras floradas, incluídas as dos demais ipês, azaleias, espatódias e mais plantas que ousem enfeitar a cidade, se tornem motivo de galhofa, como diria meu tio Alfredo.
Um botânico com formação em escola de primeira linha, com pós na Europa e doutorado nos Estados Unidos, explicará cientificamente o porquê da florada dos ipês roxos. Dirá que é consequência da hipotenusa da El Niña no cateto do El Niño ou outra verdade científica tão apavorante quanto esta. E todos se curvarão ao peso da ciência, da verdade indiscutível, embasada por fatos e teoremas testados em laboratório e levantados nos alfarrábios das bibliotecas mais prestigiosas da Terra.
E é tudo verdade, com certeza é tudo verdade. Quem sou eu para ousar discutir com tanta sapiência, tanto conhecimento, tanto empoderamento da mente e do espírito!
Mas um botânico lida com a parte visível dos fenômenos naturais. Ele não consegue compreender a interferência das ondas cósmicas retornando de antigas galáxias, não sabe avaliar o peso das sombras eternamente vagando pelo espaço, nem entende como a lua cheia refletida num lago consegue fazer os corações baterem mais forte, as almas se sentirem mais próximas e os corpos se fundirem.
A outra verdade, a verdade que não se fala, mas que está aí, à mostra e à disposição de quem quiser entender, é a certeza de que as árvores têm sentimento e que os ipês roxos este ano deram mais de si numa homenagem silenciosa, mas vibrante, aos quase 500 mil brasileiros mortos pela covid19. Estupidamente mortos pela covid19.
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