Os sabiás de madrugada
Tem quem goste, tem quem não goste. E tem quem queira matar os sabiás desembestados cantando de madrugada. A vida é assim, nem todo mundo gosta do que o próximo gosta. E a riqueza da vida é exatamente esta, como perguntava o antigo comercial: o que seria do verde se todos gostassem do amarelo?
Ainda bem que tem para todos os gostos e de todas as maneiras. Entre elas, os sabiás retomaram as madrugadas, no jogo duro da preservação da espécie.
Cada um sabe de si e os sabiás sabem que, se não cantarem nas madrugadas, correm o sério risco de não encontrarem a fêmea de seus sonhos para garantir o futuro da espécie.
A cada ano a cantoria começa mais cedo. No tempo e na hora. Pode ser que seja apenas uma impressão, mas a sensação de que começa mais cedo é quase palpável, nítida e forte, na cantoria, ou piação, varando a madrugada.
Quatro da manhã já estão piando. Como eu sei? Depois de uma certa idade, a gente acorda de noite. E ouve as aves na sua faina, na busca da fêmea e da felicidade de acasalar.
Pode mais quem pia mais. A regra dos sabiás é simples e clara. Quem não piar não acasala e a vida pode ficar muito sem graça.
Quem não gosta, não gosta porque não dorme, atrapalhado pelo canto das aves. Quem gosta, gosta pelo mesmo canto que deixa leve a noite e mostra que a vida é feita de muitos momentos, que cada tempo tem seu instante. Na rotina dos sabiás, agora é a hora de encontrar a parceira. E a forma de fazer isso é soltando a voz nas madrugadas. Não sei como as fêmeas escolhem seus companheiros, mas com certeza há de ter regras tão incompreensíveis como as que regem o amor.
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