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Poesia urbana

A vida na cidade grande apresenta facetas únicas, inigualáveis em qualquer outro lugar. São cenas inusitadas e imprevistas, onde a poesia mostra que mora no mundo e que não tem dono, nem mago, que a comande ou a conheça, ao ponto de recriar-se mais rica do que a realidade, dia após dia, no cotidiano frenético da metrópole ensandecida.

Pode surgir da mão da moça que planta girassóis nas marginais. pode brotar do trabalho do homem paralítico que transforma terrenos baldios em praças que são o orgulho do bairro. pode renascer na estátua que enfeita o largo, ou na fachada da igreja perdida no meio dos prédios.

A poesia é imprevisível. Surge quando quer, como quer e onde quer. mas está sempre presente, e depende de nós encontra-la, normalmente escondida de tão exposta, nos momentos mais inesperados, dando cor a situações que, em outras circunstâncias, seriam banais.

A florada dos ipês amarelos mudou a cara de São Paulo. A volúpia com que as árvores se cobriram de flores criou um novo paradigma para as plantas que florescem no inverno, obrigando-as, a partir do próximo ano, a capricharem muito mais.

Quase todas deram à vida um instante mágico de inefável ternura, estampado nas cores de suas pétalas entregues ao mundo.

Quase todas, mas não uma, perdida numa rua escondida do alto de pinheiros, sem folhas e sem flores, com os galhos nus pateticamente erguidos para o céu.

Infeliz em sua pobreza, ela permanecia só e triste na rua deserta a quem não fora capaz de dar a alegria de suas cores.

Mas, eis que o deus das árvores, compadecido da sua tristeza, deu-lhe um momento de encanto, deslumbramento e poesia.

Por baixo da árvore despida, num porta lixo, um saco de plástico amarrotado dava pra árvore radiante a ilusão de que seu amarelo era a sua flor que havia caído.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.