A filha do gigante

[Crônica do dia 19 de junho de 1997]

Durante meses, o buraco gigante da avenida Interlagos apavorou São Paulo, prometendo – e cumprindo – piorar o trânsito com a ajuda de seus filhos, espalhados por todos os cantos da cidade, arrebentando de forma explícita as suspensões dos mais desavisados, e de forma mais explícita ainda a dos que se acham espertos.

Orgulhosos de sua mãe, a cratera da Marginal do Pinheiros, os buraquinhos se espalharam por São Paulo com a rapidez das notícias ruins, tomando de assalto até as ruas que já eram esburacas, para consolidarem o domínio do pai, em guerra franca contra a prefeitura.

Alguns mais gulosos, chegaram a engolir carros inteiros, com preferência para os da marca Volkswagen e fora de linha, como uma criança toma um prato de mingau.

Brasília, Variant, TL e Passat passaram a pensar duas vezes antes de circular pelas ruas e avenidas da Urbe de Anchieta, apavorados frente ao risco de virarem almoço de buraco.

Mas não eram só eles que eram visados. Também alguns modelos de carros importados caíram no gosto dos filhos do buraco gigante da avenida Interlagos.

Invencíveis, amparados no poder ilimitado da sua capacidade de multiplicação, a família buraco de Interlagos se autoproclamou dona da cidade, apresentando para tanto, entre outros documentos autenticados em cartório, uma certidão com firma reconhecida e tudo, que os faz descendentes diretos de Amador Bueno, o aclamado.

Apavorada, a Prefeitura não fez mais do que correr e culpar o Estado, que mais apavorado ainda, protegido pela incompetência de seu secretário de Segurança, retrucou culpando a Prefeitura.

Tudo ia de mal a pior, quando o pai, orgulhoso, decidiu que era tempo de apresentar para São Paulo sua filha mais velha, que chegou de supetão, abrindo-se inteira bem dentro do pátio da CET, para engolir duma única vez quatro carros inteiros.

A filha do buraco gigante da avenida Interlagos chegou estourando a boca do balão e mostrando para todos que, daqui pra frente, quem manda é ela.

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