Árvore boba da calçada
Quando nós éramos moços, nosso grande companheiro e professor de vida natural, nas férias na fazenda, era o Zé do Santinho, depois simplificado para Zé Santinho.
Grande caçador, conhecedor da fauna local, especialista nas artes do Tatú Branco e consequente impossibilidade de se caçar nas noites em que a entidade sai pela mata, defendendo os animais e comendo o cano das armas dos caçadores escondidos ao lado dos carreiros.
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Andar com o Zé, a cavalo ou a pé, era um privilégio. Ele tinha histórias fantásticas, verdadeiras aventuras, misturadas com conselhos práticos e exemplos do que era o quê no mundo natural que nos cercava e deslumbrava, como o capim gordura pintando os morros, para fazer contraponto para a florada das paineiras. Ou o canto de alguma ave ou a pegada da paca no carreiro atrás da colônia.
O Zé Santinho era, antes de tudo, safo. Não se apertava muito diante do desconhecido, especialmente quando o desconhecido era um pássaro voando ou o seu pio entre as árvores do matão ou nos pastos da fazenda.
– Zé, que passarinho é esse? Se ele soubesse, dizia; se não soubesse, dizia do mesmo jeito: – Num liga não, é só um bicho sem vergonha, passarinho bobo do brejo.
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E seguia em frente, convencido da sua certeza e de que a ave em questão era só um passarinho bobo do brejo, enorme família de aves criada por ele e que englobava todas as espécies de que não conhecia o nome.
A solução simples e pragmática do Zé Santinho tem sido uma poderosa arma para disfarçar o meu desconhecimento. Quando ando pelas ruas e praças e me perguntam “que árvore é essa?”. Se sei, digo o nome, mas se não sei, não me aperto, sigo o exemplo do Zé Santinho, faço cara de entendido e respondo que é uma árvore boba da cidade.
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