O canto dos sabiás
Privilégio é ter sabiás cantando seu canto rico e belo quase que 24 horas por dia, no beiral do seu telhado, no galho da mexeriqueira, no ninho pendurado na forquilha da jabuticabeira.
Não é mais o piado sem graça, solto na madrugada, chamando a fêmea para a realização do grande milagre da vida, para a fecundação dos sonhos, para a redescoberta do prazer. É um canto cheio de vida.
Cada um é cada um. Tem quem goste, tem quem não goste, mas não tem como dizer que o canto longo de um sabiá na árvore ao lado não comove, não enche de esperança o peito mais duro, faz o dia mais belo.
Sabiá é sabiá, está na poesia nacional. Na “minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá, as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá”.
Quem sabe dos sabiás são os que ouvem seu canto de madrugada, de manhã, de tarde, na chegada da noite. Não, não é uma única ave, mas várias, que enchem o jardim e seu entrono com a musicalidade limpa de seu canto alto e grave, trazendo pra cena o caipira sentado na porta do “ranchinho beira chão, todo cheio de buraco, onde a lua faz clarão.”
Num mundo cada vez mais barbarizado, mais espancado por líderes de todos os lados, por gente sem noção ou conhecimento de porquê as coisas são como são, o canto de uma ave solta na paisagem da cidade absurda, faz a diferença, faz a festa e enche o peito de paz.
Afinal, entre tantos desencontros, violência gratuita, estupidez e boçalidade, encontrar a paz trazida no pio longo de uma ave solta na natureza faz a diferença que explica por que é melhor viver bem, na calma possível dentro de um mundo de ponta cabeça.
Com seu peito laranja e o grande corpo escuro, o sabiá pousado no galho próximo promete todas as possibilidades e nos mostra que, na paz da tarde que cai, a felicidade está mais próxima do que parece.
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