Cada janela várias vidas
Você segue em seu automóvel no ritmo de cágado sem press
a das ruas da cidade. Não tem o que fazer, tem mais carro
do que rua. Então é ter paciência porque não ter não vai adiantar nada, exceto colaborar para aumentar sua azia ou refluxo.
São Paulo é uma cobra monstruosa que pari incessantemente filhotes que ocupam o planalto e tomam terras novas, em todas as direções. A Região Metropolitana não é mais a que foi delimitada na década de 1970. Hoje seu espaço atinge Jundiaí, Sorocaba, São José dos Campos e se aproxima de Campinas, convertendo as rodovias em avenidas congestionadas, como a 23 de Maio ou qualquer outra que corta a cidade.
Não tem o que fazer. São milhares de prédios como lanças de todos os tamanhos espetadas no solo da região. Em cada um, dezenas ou, nos mais modernos, centenas de pessoas dividem cada vez menos espaço com mais gente.
É bonito ver a cidade no final do dia. Os prédios um a um tendo suas janelas iluminadas, desordenadamente, sem uma ordem de música sinfônica, na qual cada janela seria uma nota que não segue a nota seguinte, mas pula duas ou três, intercala claro e escuro, no ritmo louco da soma de milhões de pessoas interagindo sem combinação prévia, numa dança improvisada que se acomoda naturalmente.
O mais fascinante é que, atrás de cada janela iluminada, acontece a vida de pessoas que fazem o que podem para viver da melhor maneira possível, pelo menos sob seu ponto de vista.
Naquela janela, um casal se ama; na outra, um casal briga; no andar de baixo, assistem novela, ajudam os filhos nas tarefas da escola, jantam e vão dormir. Nem rápido, nem lento, apenas no ritmo da respiração coletiva que toma a terra, invade o espaço e faz tudo uma única realidade.
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