Paralelos
Teu corpo sabe a terra molhada e plantas amassadas ao longo de uma campina num meio dia de outono. Tem a suavidade das flores do campo quebrando o ácido da terra adubada pelo gado pastando calmo sob o azul profundo do céu de maio.
Tem o perfume do capim gordura, roxo de tão vermelho, com as sementes maduras prontas para se deixarem levar pelo vento. Tem o perfume da folha de eucalipto que a gente esmaga dentro da mão e cheira sentindo o peito se abrir, desembaçado pelo cheiro forte da árvore.
Teu corpo sabe também a cheiro de mato, a sensação de coisa escura e antiga, escondendo segredos que apenas se entremostram nos raios de sol que varam as copas das árvores.
Sabe a frescura da água que nasce da fonte no meio das pedras e que tem cheiro e que se espalha pelo vale, primeiro em fio, depois em cachoeira, explodindo a intensidade da vida que brota de teus interiores.
Sabe ao mistério do gosto da ambrosia aliviado pelo néctar que as abelhas não colhem, mas que em ti se espalha e me alimenta.
Teu corpo sabe a fruto maduro, a sumo, a suor escorrendo pelas costas, pelas axilas, úmido de vida e de espera.
Tem, misturado com os cheiros sólidos da terra, gosto de ostra, alga e maresia, como se a mata e o mar se encontrassem em algum ponto escondido da costa, para num ritual secreto se misturarem e criarem um elemento novo, mais quente do que o fogo e mais rijo do que a rocha.
Um elemento puro e translúcido como a chuva primeva que caiu do céu no princípio da criação.
Como o rodamoinho que gira o mundo e a lembrança do mundo em todos os gostos e todos os cheiros que sabem a amor e perpetuação da vida.
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