Almas de gato e tucanos
A cidade grande pode ser mais fácil e mais amigável que as florestas fechadas, com árvores colossais, troncos grossos e altos, como que feitos para proteger os ninhos.
A cidade tem horizontes maiores do que os horizontes curtos da mata, com galhos entrelaçados escondendo o céu para impedir os gaviões de verem os filhotes. Na cidade grande, os ninhos são à prova d’água, escondidos nos beirais dos telhados, nas frestas das paredes, nas reentrâncias das torres.
Na natureza tudo é difícil, a vida é difícil, quando não quase suicida, na luta insana pela larva nossa de cada dia.
Antiga lei do mar: peixe só é menor para o peixe maior. No mais, em mar que tem tubarão, paulistinha não sai da toca.
É assim porque é assim, mas o resultado mudou a cadência do jogo. Na cidade grande a vida é mais fácil, o céu mais claro e as noites menos frias. Além disso, quando chove, passarinho esperto fica seco, escondido numa fresta de telhado, com as telhas para protegê-lo.
Tem gente que acha legal visitar caiçara morando em casa de pau a pique, fogão a lenha, sem energia elétrica e exposto ao vento sul que entra varando mar e mata e pega quem está no rumo sem pena de bater.
Tem sua graça, mas só para o caiçara, porque o visitante quer mesmo é voltar para casa, tomar banho quente e aproveitar para depois jantar feito em fogão a gás, ver televisão ou assistir filme em streaming.
Quem gosta de pouco conforto é porque nunca teve muito conforto. Pergunte a um dos tucanos que vivem na Cidade Universitária se ele está disposto a voltar pra floresta. Converse com uma alma de gato e veja se ela troca o conforto da comida ensacada pela luta atrás das presas silvestres. Pois é, pra eles a vida na cidade é mais fácil.
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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.